terça-feira, 8 de março de 2016

Jesus, o Carpinteiro


Conheci Jesus numa noite longa,
atravessando anos de melancolia
como a cruz,
uma cruz feita pela minha mão.
Debrucei-me sobre ela
como se fosse o meu melhor poema
e Ele olhou para mim, eu era
a miúda que se sentava sozinha;
por isso deitou conversa
contando-me que era carpinteiro,
em como a sua cruz, mesmo assim,
era mais confortável do que a minha:
queria um beijo para se consolar,
mas entendeu que nenhum beijo
poderia acalmar as estruturas que me prendem;
grandes construções poéticas
que cedem perante o martírio.

Cada carinho é um prego a menos,
cada prego a menos e a cruz
já mal-amanhada e vai deixar-me cair.
Vou-me pelo abismo de descer
tecendo mais placas de madeira
e muitos poemas sobre
o que deixei por soldar:
o seu rosto humano próximo do meu;
uma cruz bem atarracada ao chão
e no seu alto
a humanidade inteira intercedendo
pelo beijo com que minto às escuras:
pegando em talhas de fonemas
para inventar o físico de Jesus
e o sabor metálico
de uma boca já em sangue
de tantas, demasiadas mulheres sós. 

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