"Vejo ao fundo de tudo o âmago do silêncio. Silêncios
que a espaços me vão interrompendo o cantar contínuo que vive cá dentro. O
cantar com que embalo todos os pensamentos que não digo em voz alta, nem se me
escorrem por outros gestos. No silêncio de quando não canto cá dentro sou capaz
de ouvir a respiração de uma árvore Pinus longaeva.
Está algures nesta dimensão, neste planeta, completamente cercada de um lugar
que a natureza invadiu só para si. Nenhum homem saberá ao certo quem é esta
árvore em concreto. Nem eu, que sou capaz de a ouvir no silêncio do silêncio,
sei da sua geografia. Ouço acerca do momento em que foi colocado o espirito num
dos muitos animais que desde sempre ali estariam habitando. No céu o sol dançou
durante muito tempo. As Auroras Boreais eram visíveis em qualquer noite, em
qualquer ponto deste planeta. O sol dançou como voltou a dançar por diversas
vezes. Tantas quantas foram necessárias.
Quanto mais
pequeno o animal é maior tendência ele tem em deslocar-se rapidamente,
construindo em segundos uma Civilização. Num modelo muito parecido ao dos seres
perfeitos que nos visitam de vez em quando. A sua lei é a lei que rege o resto
de todas as figuras celestes que parecem animicamente inertes. As nossas leis,
os nossos tribunais, o arrasto de uma justiça cega – é tudo exatamente da mesma
forma. A árvore falou-me acerca de uma guerra interminável entre aquilo que
somos animais e aquilo que somos espirito. Foi assim que começaram todas as
guerras entre os homens. Em especial esta última, pela qual temeu a todo o
instante. E pela qual continuará a chorar o desaparecimento de certas naturezas
que ao principio, ainda pertenciam àquela dimensão única.
Ouço uma árvore a
chorar no silêncio do silêncio, confundindo as suas lágrimas com aquelas que
caiem sobre esta folha. A árvore conta que outra árvore lhe contou que um homem
iluminado, mas temente do dogma, tinha sido esfaqueado no lugar em que o sol
também dançou – um sol incapaz de todas as violências; porque violência é da
própria natureza deste lugar no Universo. Os animais alimentam-se uns dos
outros, inclusive os animais humanos que cedem sempre na sua biologia mais
primária: aquela que existia ante de lhes se colocado o espirito. A violência é
o dado mais antigo que nos protegia dos animais maiores. Agora, já nada disso é
necessário – apesar dessa ligação primária se parecer com o conforto do ventre
materno. Por isso continuamos a não querer resistir, a ser capazes de aproximar
os polos mais distantes. Entre o ódio e a paixão não existe qualquer diferença,
pois também é primário o dever de preservar a espécie. Um dia chegou o espirito
que fez por confundir todas estas coisas; para certas sensibilidades trata-se
de um caos que é gerador de mais caos: barulhos subterrâneos, cidades inteiras
despertas pela noite, luzes alheias à natureza, multiplicadas através do
inventor, aquele que se coloca ao serviço da criação em razão do amor; mais que
não seja, pela única companhia que às vezes só o espirito proporciona. Amor a
essa metade que surgiu e da qual ninguém tem memória. A única coisa que os
seres deixaram nesta dimensão foi isso mesmo: a metade que não é animal."
Excerto
Excerto
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