Pensei, em tempos, demorar-me
longamente na labareda na esperança de encadear efusivamente os olhos do
leitor. Como se as palavras pudessem ser a nossa pele una e o fogo pretendesse
queimar mais alguém. Mas os infernos são indivisíveis como qualquer
responsabilidade ou multa. Ainda assim, detive-me nesse retrato, um autorretrato
cego de tanto mirar-se através da luminosidade. Confuso do que é um dia de
Verão ou uma Estrela no céu capaz de dissolver o globo ocular. Em como às vezes
não deveria ser possível determo-nos tanto tempo sobre aquilo que nos faz
feliz, principalmente quando a felicidade é um estado de ânimo que obedece
apenas à sua própria elipse. A noite vai invariavelmente cair e não valerá a
pena correr, procurar um olhar estranho ou beber da imaginação um brilho
impossível de reter. Nem as próprias palavras serão seguras, principalmente
quando lançamos os textos na fogueira ousada que é a humanidade e o seu
sofrimento universal. O relevo medonho de que na manhã seguinte jamais nascerá
o sol tornando válidos os presságios dos poetas dolorosos e mais um sem-fim de
indicações bíblicas acerca do apocalipse. Mais aqueles que acreditam na
efabulação e se atiram do penhasco sem esperar pela prova determinante: o
primeiro raio da manhã contra todas as odes. É verdade, olhei demasiado tempo a
hesitação e as possibilidades infinitas de todos os corpos estelares até gastar
o olhar de coisas excessivamente brilhantes. Chamei-lhe contemplação e com o
tempo comecei apenas a contemplar uma ideia. A ideia que tive num dia à beira
de um regato de Monet, saboreando as tonalidades da água, mentindo o travo da
tinta, bebendo alegremente do veneno com que se faz arte. Beijei com a boca
intoxicada de ficções e escrevi demasiados poemas. Fui até ao penhasco meditar
sobre fim e voltei para casa sem nada, exceto o incontornável desfecho adiado. Andei
até a adiar o momento em que pegaria nessa pintura outra vez, de saber que
ceguei o terceiro olho e agora é praticamente impossível voltar para acabar o
que comecei: o poema, o regato, o abraço a meio da madrugada.
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