quinta-feira, 14 de julho de 2016

Terceiro Olho

Pensei, em tempos, demorar-me longamente na labareda na esperança de encadear efusivamente os olhos do leitor. Como se as palavras pudessem ser a nossa pele una e o fogo pretendesse queimar mais alguém. Mas os infernos são indivisíveis como qualquer responsabilidade ou multa. Ainda assim, detive-me nesse retrato, um autorretrato cego de tanto mirar-se através da luminosidade. Confuso do que é um dia de Verão ou uma Estrela no céu capaz de dissolver o globo ocular. Em como às vezes não deveria ser possível determo-nos tanto tempo sobre aquilo que nos faz feliz, principalmente quando a felicidade é um estado de ânimo que obedece apenas à sua própria elipse. A noite vai invariavelmente cair e não valerá a pena correr, procurar um olhar estranho ou beber da imaginação um brilho impossível de reter. Nem as próprias palavras serão seguras, principalmente quando lançamos os textos na fogueira ousada que é a humanidade e o seu sofrimento universal. O relevo medonho de que na manhã seguinte jamais nascerá o sol tornando válidos os presságios dos poetas dolorosos e mais um sem-fim de indicações bíblicas acerca do apocalipse. Mais aqueles que acreditam na efabulação e se atiram do penhasco sem esperar pela prova determinante: o primeiro raio da manhã contra todas as odes. É verdade, olhei demasiado tempo a hesitação e as possibilidades infinitas de todos os corpos estelares até gastar o olhar de coisas excessivamente brilhantes. Chamei-lhe contemplação e com o tempo comecei apenas a contemplar uma ideia. A ideia que tive num dia à beira de um regato de Monet, saboreando as tonalidades da água, mentindo o travo da tinta, bebendo alegremente do veneno com que se faz arte. Beijei com a boca intoxicada de ficções e escrevi demasiados poemas. Fui até ao penhasco meditar sobre fim e voltei para casa sem nada, exceto o incontornável desfecho adiado. Andei até a adiar o momento em que pegaria nessa pintura outra vez, de saber que ceguei o terceiro olho e agora é praticamente impossível voltar para acabar o que comecei: o poema, o regato, o abraço a meio da madrugada.   




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